quarta-feira, 1 de março de 2017

O Caso de Gabriel Orwell

"Estou escrevendo estes fatos para manter a sanidade que ainda resta em mim. Cada dia sinto que ela está escapando entre meus dedos, como se eu tentasse segurar água em minhas mãos.

Escrever sobre a minha situação é muito mais fácil do que falá-la, porque leva mais tempo até as pessoas acharem que eu sou maluco. Não, eu não sou louco. De primeira, eu não soube como lidar com isso. De fato, eu ainda me lembro a primeira vez que eu vi, ou melhor, quando ele me viu.
Eu tinha muita estrada ainda pela frente. Já era por volta da 1h da manhã. Não tinha dormido na noite anterior por estar em uma festa, então achei que a melhor ideia seria parar em um hotel de beira de estrada. Depois de uma breve conversa esquisita na recepção, eu estava sentado na cama do quarto 250. O colchão era de mola; a televisão era antiga; o cheiro do quarto era terrível; o lugar era uma bosta. Entretanto, eu não reclamei. A exaustão estava tomando conta de mim e, de qualquer jeito, eu iria ficar ali apenas uma noite. Logo caí em sono pesado.

Que barulho foi esse? Acordei não por causa do barulho do despertador do meu celular, e sim por causa do da estática. Meus olhos se focaram no horário do relógio digital; marcava 3:33 da manhã.
O quarto estava levemente iluminado. Me sentei e vi a TV com a familiar estática preto e branca. Eu devia ter rolado por cima do controle remoto. Procurei rapidamente por ele, querendo voltarn para o meu sono tranquilo. Levantei a coberta e olhei em volta, mas não achei nada. Descendo as cobertas novamente, pulei. A TV não mostrava mais estáticas. Ao invés disso um rosto masculino de meia-idade. recortado para mostrar apenas seus olhos; ele piscou. As sobrancelhas não faziam o parecer ter uma conduta maligna, mas eu estava inexplicavelmente aterrorizado.

Parecia que o controle tinha caído no chão, então o peguei rapidamente e tentei mudar o que estava na tela. Números verdes - representando os canais - apareceram no canto superior direito. Os números mudavam, mas a imagem não. Sem tentar investigar mais nada, desliguei a televisão. Tive dificuldade de dormir o resto daquela noite.

De primeira achei que era apenas uma brincadeira. Não podia ser. Se chance. Quando estava indo devolver as chaves para o dono, atrás dele ficava uma televisão. Mostrava o mesmo rosto; ele piscou. Eu perguntei ao senhor do balcão o que ele achava sobre o que aparecia na tela. "É, eu te digo que o tempo está piorando para uma longa viagem." Meu sangue gelou. Ele não estava vendo aqueles olhos? "Tá tudo bem com você, garoto?"

No meu caminho para a universidade, raciocinei com mais calma. O hotel não deveria ter TV a cabo, aquilo era a única coisa passando e o senhor estava zoando com a minha cara. Tinha que ser isso. Isso foi, é claro, antes que o som começasse. Tentando desviar meu pensamento do que acontecera, liguei o rádio. Estática. Melhor eu colocar meu CD do Frank Sinatra, então. Estática. Ótimo, pensei, o som do meu carro está todo ferrado. Ah, como eu queria que fosse só isso.

Só comecei a questionar minha sanidade quando cheguei na universidade. No restaurante universitário, todas as televisões mostravam aquele rosto. No laboratório de informática, todos os monitores mostravam aquele rosto. A nova televisão HD do meu colega de quarto, mostrava aquele rosto; ele piscou. É óbvio que eu perguntei sobre para todo mundo. Todos ficavam me olhando espantados, confusos. Alguns riam, achando que era brincadeira. Tudo que eu podia ouvir era estática.

Meu Ipod não tocava música nenhuma. Não conseguia ligar para ninguém com meu celular pois tudo que ouvia era estática. Estática... era só isso no começo. Logo, o som começou a mudar. Um dia, ao invés de estática, ouvi uma voz masculina falando uma série de números em um tom monótono. Uma semana depois ouvi uma mulher gritando enquanto era esfaqueada. Eu podia ouvir a lâmina contra sua carne, os passos do assassino. O som mudou, mas a imagem na tela não. Todas as telas mostravam apenas aquele rosto; ele piscou. Estou perdendo a cabeça.

Hoje ouço um homem falando uma língua sem nexo. Fico sentado no meu quarto, olhando fundo em seus olhos que olham de volta para mim no monitor do meu computador. Agora entendo porque estou enlouquecendo. Não são só os sons ou os olhos que me observam, hoje ouço um homem falando uma língua sem nexo. Fico sentado no meu quarto, olhando fundo em seus olhos que olham de volta para mim no monitor do meu computador.

Agora entendo porque estou enlouquecendo. Não são os sons ou os olhos que me observam, e sim o porquê. Por que eu? O que eu fiz para merecer isso? Foi porque eu parei de ir na igreja? Foi porque eu
fiquei naquele hotel? De quem é o maldito rosto que vejo na tela? Todas essas perguntas sem respostas são o que estão acabando com minha sanidade.

Não consigo mais aguentar. Os sons, o rosto (ele piscou), como eu finjo que tudo está bem. Eu não durmo faz dias. Eu rezo pela sensação de paz e quietude. Sem mais ataques aos meus sentidos. Fico pensando em Van Gogh..."

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Essas páginas escritas a mão foram encontradas espalhadas pelo quarto de Gabriel Orwell - no mesmo local em que tirou a própria vida. Investigadores encontraram-no deitado no chão; seus olhos tinham sido arrancados, ambos tímpanos perfurados e seus pulsos cortados. Haviam também dois monitores HD no quarto; ambos estavam quebrados e danificados possivelmente pelas próprias mãos de Orwell.

Fonte:http://conteudoperverso.blogspot.com.br/2013/11/o-caso-de-gabriel-orwell.html